pensando nessa tela primeiro sob o aspecto técnico, foi uma tentativa de experimentar transparência, movimento… o momento em que um vaso racha e começa a cair, as flores, ainda te encarando, fazem um movimento involuntário em direção ao solo.
Usando acrílica, sei que poderia ter explorado mais a ideia e tentado resolver melhor, visualmente falando, essa estética. mas o que me ocorreu na hora foi a raiva, tanto da impaciência com o resultado que eu estava tendo, quanto dos motivos que me faziam refletir sobre a confiança.
essas foram algumas referências:
Dos motivos de eu ter feito a tela
Eu tenho uma memória horrorosa pra lembrar compromissos e coisas do dia a dia. preciso me autorregular muito para manter as coisas funcionando por aqui. Mas as memórias afetivas que habitam a minha cabecinha são sempre muito nítidas.
esses momentos, do instante UM da quebra do vaso, da hora em que você se depara com a decepção e marca com uma rachadura funda o que veio antes e o que vai ser depois, sendo impossível atravessar de volta o abismo que se criou.
todo mundo já passou por isso na vida. seja com alguém próximo ou alguém que você idolatra à distância.
Foi o que me aconteceu quando, em um dia, eu abri meu celular e tinham mensagens no meu grupo de amigas, do casamento de uma outra, que era nosso 4 elemento. De uma menina eu conheci no meu primeiro dia de aula da vida e com quem partilhei momentos marcantes: escola, trabalho, crushes, faculdade, caronas, marmitas, pijamas. mais de 20 anos convivendo todo os dias, crescendo juntas. eram as fotos do casamento e eu não estava lá.
o momento de choque me abalou, porque sim, estávamos distantes. desde a pandemia, as novas configurações de nossas vidas nos fizeram perder a intimidade, as preferências. mas e o que tinha vindo antes? seria ignorado daquele jeito? em grupo, tentamos elaborar que estava tudo bem, que os caminhos já não eram mais ou mesmos. quem disse que eu ia conseguir virar essa página fácil assim?
imagina a bagunça, a meleca que a queda desse vaso faz ao se deparar com o chão, a água com resto de terra escorrendo, a toalha da mesa encharcada, as flores murchando, perdendo a cor. pétalas destroçadas e um miolo sozinho.
essa fui eu depois de perceber que amizades também terminam. assim como namoros ou casamentos. só foi difícil de digerir por não ter um motivo concreto… apenas um sumiço. e agora eu lá, encarando o celular, tentando me convencer de que eu estava tudo bem.
a versão da decepção com alguém da família, é um ainda pior e muito mais bagunçada. eu carrego o peso dos traumas, dos abusos, da exploração do trabalho, da obrigação do cuidado e da culpa somente por ser uma mulher na minha linhagem. eu sei que a minha história é muito familiar e comum nessa sociedade que explora o feminino a milênios. mas eu só falar da minha prórpria experiência, na esperança de superar e romper ciclos de violência.
o meu vaso da família se rachou em muitas partes, e já desisti de recolher os caquinhos. as rachaduras se formaram desde o momento em que uma figura de referência da minha família, se tornou a figura do meu abusador. desde quando minha mãe se coloca como a principal vítima, pois a violência envolve seu próprio casamento. quando familiares que eu via como figuras protetivas, tomam conhecimento e preferem ignorar, continuar convivendo. quando a religião coloca um véu sobre toda podridão e o que fica visível são fotos em praias paradisíacas.
eu funcionei por tempos tentando, enquanto superava e convivia com a violência, ajudar os demais envolvidos a se fortalecerem e criarem autonomia. eu segurei as rédeas e tentei trazer alguém comigo no processo de cura. mas foi como contar até 3 e só você pular na água gelada da piscina. ninguém veio também.
nesse momento, pego o pincel, loto de tinta e com o desenho de baixo ainda úmido eu esfrego de um lado pro outro. desisto de tentar deixar um efeito bonito. a raiva que conduz a pincelada é quem sabe o que fazer. e quando ela passa, eu olho e aprecio o resultado. até que ficou bom, faço o quadriculado envolta para dar acabamento e assim nasceu essa obra.
não queria que minha arte fosse sobre meus traumas por muito tempo, mas não tem como criar algo ignorando o que realmente te provoca. se você leu até aqui, obrigada pela disponibilidade em conhecer uma parte da minha história. se quiser conversar comigo sobre algo que escrevo aqui, pode me mandar pelo e-mail oi@imaginath.art
a obra “o instante nº01 (um) da quebra”está disponível no meu catálogo.